domingo, 19 de novembro de 2017

Além dos Livros #3 - A corrupção e a educação

“ “Vês ali aquilo?”, perguntou um deles, apontando para o edifício escuro e proeminente no alto da colina do lado europeu, perto das velhas muralhas e torres de Rumeli Hisari.
“A escola dos giavour? O que tem?”
“É o maior insulto aos Turcos que vejo em Constantinopla!”
O segundo turco olhou com atenção para o Robert College.
“Achas? Sempre pensei que o edifício era bonito…”
“Pois é, mas o importante é o que ele significa. Há uns anos veio para cá um giavour americano e ficou tão impressionado com a nossa ignorância que, com o dinheiro do seu bolso, mandou construir aquela escola para ajudar pessoas que lhe eram completamente estranhas.” Indicou algumas grandes mansões e palacetes ao longo do Bósforo. “Nós temos centenas de paxás ricos que construíram estas belíssimas casas. Algum deles pegou numa única piastra do seu próprio bolso para contribuir para a educação do seu povo?” Abanou a cabeça. “Esta escola dos Americanos é o maior insulto que os giavour nos podiam fazer. Sabes porque nos envergonha? Porque expõe a verdadeira face dos nossos governantes!””

Esta passagem textual encontra-se no livro O Homem de Constantinopla, escrito por José Rodrigues dos Santos, e chamou-me a atenção pelo seguinte motivo: apesar de a Turquia ser um país onde muitas coisas são vedadas aos seus cidadãos, eu acredito que a conversa exposta na passagem acima possa acontecer entre alguns deles, pois recuso-me a acreditar que todos eles sejam ignorantes.

O facto de a escola americana ter sido construída através do financiamento de um americano perante a ignorância do povo turco tem de ser revoltante para os turcos, pois, dada a existência de inúmeros cidadãos ricos e de nenhum deles fazer nada para contribuir para o desenvolvimento da educação, e para o consequente avanço civilizacional, esta situação é inaceitável.

Tal como disse o indignado turco, a culpa não se restringe meramente aos cidadãos ricos, pois os governantes também têm culpa nesta situação, já que a verdade é que muitas vezes, uma parte significativa desses cidadãos só enriqueceram devido a favores consentidos pelos governantes, podendo prejudicar toda a sociedade.

Este prejuízo pode não ser imediatamente verificado, mas, eventualmente, ele aparecerá: tendo sido o favor consentido, no futuro, o estado irá ter menos dinheiro para apostar no bem-estar e no desenvolvimento da sua população, quer a nível da saúde, da justiça, entre outros pilares fundamentais. Neste caso, a visada foi a educação que se degradou, traduzindo-se na ignorância de um povo, o que, consequentemente, levou a que um americano edificasse uma escola para ajudar a combater este mal, sendo que ele nada tinha que ver com esta situação, mas, ainda assim decidiu contribuir para pôr termo à ignorância.

O diálogo da passagem acima, temporalmente, localiza-se na juventude de Calouste Gulbenkian, mas é inevitável fazer o paralelo com a atualidade. O facto de saber ler e escrever é um passo fundamental para fugir à ignorância, mas o desenvolvimento do pensamento crítico é muito mais importante do que isso e é nesse sentido que temos que continuar a ajudar os turcos, visto que a sua liberdade para pensar se encontra restringida.

Para finalizar o texto, é importante não esquecer que também nós, Portugueses, devemos ser capazes de pensar criticamente e de não nos deixarmos levar por tudo o que vemos ou lemos, pois, tal como na Turquia, em Portugal, também existe corrupção, o que leva a que também a nossa Saúde, a nossa Justiça, a nossa Educação, a nossa Economia e, sobretudo, a nossa Sociedade saia prejudicada em detrimento de uns que enriquecem incomensuravelmente e, tal como os turcos ricos, pouco ou nada contribuem para o avanço da população.

Fica também o link para a Crítica que fiz à obra O Homem de Constantinopla, bastando para isso carregar no título da mesma.

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